Clipagens

De caso pensado



Se pensadas como empresas, as instituições de ensino superior têm de desenvolver seus cursos como produtos resultantes do uso de modernas práticas mercadológicas. Porém, não podem nesse processo desprezar as características da atividade, regida por legislação específica e associada a valores como serviço social e cidadania. Em comparação a outros setores da economia, portanto, a tarefa de criar novos produtos no setor de ensino parece mais complexa e menos restrita às questões estritamente financeiras. Em maior ou menor escala, as técnicas de marketing são utilizadas atual­mente por instituições de ensino dos mais diversos portes quando projetam novos cursos. Caso, por exemplo, da pesquisa de mercado, seja diretamente realizada com os candidatos às vagas, seja a pesquisa nas chamadas fontes secundárias, como órgãos e entidades governamentais e institucionais. A primeira dessas alternativas foi uma das ferramentas usadas pela Universidade Veiga de Almeida (UVA), para lançar este ano um curso de psicologia em sua unidade da cidade fluminense de Cabo Frio. "Fizemos uma pesquisa com alunos do ensino médio, na qual abordamos várias questões referentes à instituição, como sua imagem, por exemplo, e ela apontou a necessidade desse curso", explica o pró-reitor acadêmico da UVA, Arlindo Cardarett. Parece financeiramente inviável realizar uma pesquisa desse gênero a cada projeto de um novo curso, mas existem outras possibilidades. "Fazemos pesquisas focais com representantes e formadores de opinião do mercado ao qual serão destinados os profissionais do novo curso", especifica o diretor de graduação do Centro Universitário Senac, Eduardo Ehlers. Entre as fontes secundárias de informações também é possível encontrar alternativas, como se aproximar de entidades empresariais, associações comerciais e industriais, que ajudem no levantamento. No município paulista de Guarulhos, onde têm suas instalações, as Faculdades Integradas Torricelli mantêm parcerias com algumas dessas entidades. "Verificamos com as empresas das áreas para as quais projetamos um novo curso quais são suas demandas e o que elas acham do projeto pedagógico", diz Aparecido Djalma da Silva, diretor-geral das Torricelli. Aliadas aos dados provenientes de outras origens, como instituições governamentais dos municípios e de pesquisa, as informações geradas por fontes primárias e secundárias estruturam um conjunto para análise de viabilidade de qualquer novo curso: a realidade socioe-­conômica do local onde será oferecido, como define o diretor institucional da Faculdade Alfacastelo, Célio Britto. Na Alfacastelo, a prática gerou cursos como administração com especificação em logística, já que na região do município paulista de Barueri, sede da instituição, existem muitas empresas dedicadas a essa atividade. Mas nem sempre ter informações fundamentadas em pesquisas é suficiente para abrir novos cursos. Desde 2004, a Alfacastelo trabalha na abertura de um curso de direito, mas ainda não obteve autorização do Ministério da Educação. "Barueri tem o oitavo Produto Interno Bruto do país, tem a Ordem dos Advogados do Brasil, fórum, grandes empresas e mais de um milhão de pessoas circulam diariamente pela cidade. Mas não tem curso de direito", lamenta Britto. "Se eu lançasse hoje esse curso, ele lotaria", estima. Na Universidade Santa Cecília (Unisanta), a análise das características socioeconômicas da região resultou no lançamento este ano de cursos como engenharia de petróleo e tecnologia em gestão da qualidade - petróleo e gás. A instituição tem campus em São Paulo, na cidade de Santos, região com perspectiva de enorme expansão das atividades petrolíferas. "O curso de tecnologia em gestão - petróleo e gás é o primeiro do gênero no Brasil e temos aqui alunos da várias regiões do país", explica a reitora da Unisanta, Sílvia Ângela Teixeira Penteado. "E engenharia de petróleo é uma profissão estratégica", acrescenta. A carioca UVA também lançou neste ano um curso de engenharia de petróleo e gás, que nasceu, segundo o pró-reitor, em um processo muito rápido. "Este é um setor da economia sempre aquecido, em que o Brasil consolida uma forte presença no cenário mundial, ainda mais com a descoberta recente da camada pré-sal na Bacia de Campos", justifica. Já outro curso de graduação lançado pela UVA neste ano, o de saúde coletiva, teve processo de maturação mais demorado. "Há um pedido explícito do Ministério de Saúde para esse curso e já se discutem até diretrizes curriculares nacionais para ele", diz Cardarett. Nessa época de crescente competitividade no ensino superior, um curso estruturado com algum diferencial ou um traço de inovação pode ter mais chances de êxito. O termo é, inclusive, amplamente utilizado por gestores cujas atribuições incluem a criação e o lançamento de novos cursos. Nas Faculdades Integradas Barros Melo, de Pernambuco, o conceito de inovação é utilizado como um dos principais pilares do processo de formatação de novos produtos. "Procuramos sempre lançar um curso que não exista no estado", explica a diretora da instituição, Ivânia Maria de Barros Melo. Nos últimos anos, a proposta da Barros Melo originou o lançamento de um conjunto de cursos composto por bacharelado em fotografia, cinema de animação, tecnologia em produção fonográfica e bacharelado em artes plásticas, entre outros. "Inovar é fundamental e buscamos inovar com responsabilidade", diz Ivânia. O Senac também procura lançar cursos senão inovadores, ao menos com diferenciais em relação a possíveis concorrentes. Nutrição, por exemplo, tem estreita vinculação com gastronomia, e o curso de jornalismo, incluído na grade no início deste ano, explorará muito a capacidade autoral dos alunos. "Tais diferenciais não são ênfases, não aparecem nos nomes dos cursos, mas sim nas propostas pedagógicas", ressalta Ehlers. Isso porque inovar não significa necessariamente lançar um curso inédito, como defende o diretor-geral das Faculdades Pitágoras, Nivton Fernandes Melo Jr. "Inova-se também na maneira de integrar um curso a outras áreas de conhecimento ou na forma como o conhecimento é proposto", detalha o diretor. Na opinião de Melo, em decorrência da crescente comoditização de produtos e serviços, é realmente necessário buscar diferenciais para novos cursos. "Mas também é preciso analisar a aderência do mercado a esses diferenciais", enfatiza. O processo de análise da viabilidade e de lançamento de um novo curso deve considerar também o conjunto regulatório composto pelas leis e normas propostas pelo Ministério da Educação, que recentemente foi modificado para agilizar o processo de criação de cursos em faculdades e instituições isoladas. E caso aproveite em escala mais ampla a estrutura com a qual já conta a instituição, um novo curso pode ser financeiramente interessante não apenas por permitir a ampliação de receita em decorrência do aumento do contingente de alunos. "Se for da mesma área, pode ajudar a viabilizar cursos pré-existentes, pois colabora para a diluição dos custos de laboratórios e permite o compartilhamento de professores e grupos de pesquisa", lembra o diretor-geral da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Humberto Santos Filho, localizada em Salvador. Além de exigir uma profunda avaliação mercadológica, o lançamento de cursos inovadores apresenta, de acordo com Ehlers, uma dificuldade adicional. "Não é simples encontrar profissionais que conjuguem a visão mercadológica com a capacidade de montar suas propostas pedagógicas", constata o diretor do Senac, que no processo seletivo do final deste ano lançará, entre outros cursos, bacharelado em arquitetura e urbanismo e em relações internacionais, tecnologia em animação, tecnologia em recursos humanos e tecnologia em enfermagem. Já cursos mais tradicionais como administração, contabilidade e pedagogia dispensam análises e projeções mais elaboradas, acredita Djalma da Silva, da Torricelli. "Nesses casos, a demanda é de senso comum e, desde que em expansão, o mercado sempre absorve esses profissionais", justifica. Cursos mais novos, especialmente na graduação, em que são necessárias doses maiores de investimentos, devem nascer de planejamentos bem detalhados, e a análise de sua viabilidade precisa considerar períodos maiores de tempo, recomenda Silva. "Trabalhamos com um arco de uma década, com dois períodos de cinco anos sobrepostos: cinco para o PDI [Plano de Desenvolvimento Institucional] e outros cinco para considerarmos as tendências de mercado", detalha. "Os cinco anos do PDI constituem um período muito curto para quem pensa em um novo curso", acrescenta. Para Sílvia, da Unisanta, embora deva contemplar também uma "proposta política", o processo de formatação de um novo curso deve ser sempre balizado pelos fatores de mercado. "Nunca é uma aposta, sempre há pesquisa e avaliação das condições estruturais da instituição de ensino", ressalta . Melo, das Faculdades Pitágoras, defende a adoção de processo similar ao utilizado no lançamento de produtos de outros setores econômicos. "É preciso pensar um curso não apenas como conteúdo, mas também como objeto de mercado", diz. Mas outros setores de atividade também podem ensinar aos provedores de ensino que, mesmo calcado em sofisticadas ferramentas de mar­keting, o processo de lançamento de novos produtos não é composto apenas por êxitos imediatos: inclui também um constante aprendizado. Exemplo disso é a Alfacastelo, que há uma década lançou o curso de administração com ênfase em gestão ambiental e deixou de oferecê-lo sem abrir nenhuma turma. Não houve exatamente desatenção a novas tendências pelo contrário, existiu talvez uma percepção até antecipada, pois existem atualmente inúmeros projetos de cursos relacionados a ciências ambientais. Por isso mesmo, a Alfacastelo não desistiu desse produto. "Ele permanece em nosso PDI e deverá consolidar-se", prevê Britto. Cursos como missão É possível lançar um curso mesmo sem o respaldo de informações mercadológicas,como parte de uma "missão" à qual se impõe uma instituição, acredita o diretor de graduação do Centro Universitário Senac, Eduardo Ehlers. Segundo ele, nos Estados Unidos existem, por exemplo, cursos de especialização em determinadas religiões ou dedicados a pessoas que não puderam cursar ensino superior na faixa etária adequada. "Talvez estes cursos não tenham grande apelo mercadológico, mas são componentes de uma missão", diz. Na "missão" de uma instituição pode ser incluída também a manutenção de cursos que, embora não se sustentem financeiramente, são importantes para as regiões onde são oferecidos. É o caso do curso de ciências aeronáuticas incluído há cinco anos no portfólio da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC). "Se o extinguíssemos, todos os interessados em fazer um curso de pilotagem precisariam deslocar-se para outras regiões do país", diz o diretor-geral da FTC, Humberto Santos Filho. Um novo curso também pode ainda se associar a um "projeto político", complementa Sílvia Ângela Teixeira Penteado, reitora da Unisanta. "É preciso vincular o curso à realidade sociopolítica da região." Mas isso não significa ater-se apenas aos interesses e às questões locais. "Atualmente, qualquer profissional precisa ter uma formação globalizada, e mesmo um aluno de exatas, por exemplo, precisa também de informações da área de humanas, e formar-se como cidadão." Além disso, Sílvia defende que a qualidade deve ser uma premissa básica. "Como vivemos em ambientes competitivos, a instituição deve estar ciente e comprometida com a visão de excelência na escolha do curso e, posteriormente, em seu desenvolvimento." Faculdades passam a ter autonomia Passíveis de lançamento autônomo pelas universidades, novos cursos podem ser criados mais agilmente também por faculdades e instituições isoladas desde a publicação no Diário Oficial da União, no início de julho, da Portaria Normativa nº 10 do Ministério da Educação. A legislação dispensa a avaliação in loco feita por representantes do MEC nas instalações das instituições para quem obtiver avaliação igual ou superior a três, cumulativamente, na avaliação institucional externa e no IGC (Índice Geral de Cursos). Célio Britto, diretor institucional da Faculdade Alfacastelo, acredita que a portaria poderá agilizar um processo que podia demorar dois anos apenas no cumprimento dos trâmites legais exigidos pelo MEC. Além disso, a medida gera outro benefício. "Barateia o processo, pois não será mais necessário pagar a taxa para a visita da comissão da avaliação in loco", afirma Britto. Humberto Santos Filho, diretor-geral da Faculdade de Tecnologia e Ciências, considera "justas" as novas regras, pois elas ampliam a competitividade das instituições isoladas frente às universidades. Para ele, também foi interessante a fixação de um índice mínimo de performance nos instrumentos de avaliação como critério de liberalização do processo de lançamento de novos cursos. "Sem um marco, mesmo faculdades sem condições sequer de manter seus cursos atuais seguiriam lançando outros", argumenta. Mas Ivânia Maria de Barros Melo, diretora das Faculdades Integradas Barros Melo, faz uma ressalva: o MEC deveria incentivar os alunos a obterem desempenhos melhores no Enade, por exemplo, fazendo constar a nota obtida nesse exame de seus históricos escolares. Nas atuais circunstâncias, ela diz preferir a manutenção das avaliações in loco, apesar de defender a redução do tempo necessário ao processo relacionado à vistoria. "O reconhecimento de um curso é algo muito sério, não pode ser deixado à mercê do desempenho de alunos sem nenhum compromisso obrigatório com o processo de avaliação", pondera Ivânia.

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